Ulisses Pereira: "Ser mulher andebolista em Portugal é um ato de coragem"
Obrigado por nos conceder
esta entrevista em semana de jogos da seleção. Mas antes de falarmos da
seleção, queríamos colocar-lhe uma pergunta fora desse âmbito. Saiu da equipa
feminina do Alavarium depois de conquistar dois títulos consecutivos e este ano
sai dos masculinos do São Bernardo depois de ter sido campeão nacional da 2ª
divisão. Não acha que sai para não estragar a sua imagem, deixando a batata
quente na mão dos outros?
Se me preocupasse com a
imagem, não tinha pegado no Alavarium desde o ano zero do andebol feminino do
clube, com uma equipa de iniciadas, nem tinha ido para o São Bernardo numa
altura em que o clube estava em grandes dificuldades. As razões da saída do
Alavarium e do São Bernardo são bem diferentes. No Alavarium senti que tinha feito
tudo o que havia para fazer. Havia atletas quem tiveram o mesmo treinador
durante 9 anos, desde iniciadas, achei que o meu tempo tinha terminado. No São
Bernardo, depois de ajudar o clube a regressar aos melhores de Portugal, ainda
havia muito para fazer, mas era impossível conciliar a seleção com um clube na
primeira divisão masculina. Era possível se eu fosse profissional de andebol
mas não sou, tenho além do andebol trabalho e para estar a fazer 2 coisas sem
sentir que lhe estava a dedicar todo o tempo necessário, achei que tinha mesmo
que abandonar o São Bernardo. De consciência tranquila e sorriso no rosto, de
dever cumprido e deixar o clube no lugar onde merece.
Porque é que jogadoras como
Sara Gonçalves ou Helena Soares não estão na seleção?
Naturalmente que não
poderei justificar por que é que
centenas de jogadoras não foram convocadas, mas gostaria de esclarecer que
estamos em Portugal e não podemos esquecer a realidade em que as jogadoras
vivem. Por exemplo, quer a Sara, quer a Helena ou, por exemplo, a Neuza, já
constaram da convocatória em alguns estágios e não puderem ir por razões
profissionais. E qualquer uma delas tinha muita vontade de representar a
seleção mas o trabalho fala mais alto. Ainda convenci o patrão da Sara uma vez,
mas na vez seguinte já não foi sensível ao meu apelo. E optámos por convocar as
jogadoras que têm podido estar connosco regularmente. No masculino, os
jogadores estão sempre aptos, porque os selecionáveis são profissionais de
andebol. No feminino, infelizmente isso não acontece. Naturalmente que, em
relação a outras jogadoras, haverá sempre quem defenda que deveríamos convocar
outras jogadoras em detrimento de outras, mas isso tem a ver com os critérios
normais que variam de treinador para treinador.
Como reage àqueles que
defendem que a seleção feminina A é um desperdício de dinheiro?
Para não ser ofensivo com
quem diz isso, permitam-me outra abordagem. Ser mulher andebolista (ou
desportista) em Portugal é um ato de coragem, mesmo nos dias de hoje. As
mentalidades mudaram mas continua a ser muito difícil para as mulheres serem
desportistas de alta competição. A grande maioria não recebe nada, enfrenta a
discriminação do tratamento por parte da Comunicação Social, tem um emprego ou
estudos para conciliar. Chegar a um treino para treinar, depois de descansar é
uma coisa. Ir treinar depois de um dia de trabalho, é completamente diferente.
E para as atletas que são mãe, eu diria que são verdadeiras mães coragem.
Soubessem a realidade da maior parte das nossas atletas e muitas pessoas seriam
menos críticas. O que a maior parte das andebolistas portuguesas fazem para
conseguirem treinar sem falhar, tentando manter-se ao mais alto nível, chega a
ser comovente para mim.
É possível Portugal ganhar um
jogo neste grupo de qualificação?
É possível, mas sabemos das
enormes dificuldades que vamos encontrar. Rússia é campeã olímpica e a Roménia
foi a 3ª classificada no último mundial. Por si só diz bem do patamar destas
duas equipas 100% profissionais. Nós almejamos encurtar distâncias para ambas,
tentarmos ser o mais competitivos possíveis e fazer jogos perfeitos. Quanto à
Áustria, está uns degraus abaixo dessas seleções mas a última vez que Portugal
a defrontou, as austríacas venceram por 8. Mas acreditamos que hoje estamos melhores
e que podemos conseguir surpreende-las. Não esperem de mim que venda sonhos ou
projetos irrealistas. Mas também não esperem que seja acomodado e que não seja
ambicioso.
Se lhe disser que, por
exemplo, a nossa previsão é que Portugal perca por 15 na Rússia, fica zangado
connosco?
Cada um tem a sua opinião e
há 2 anos atrás perdemos na Rússia por 20, por isso compreendemos essa vossa
previsão. Mas eu acredito que vamos fazer melhor. Mas habituei-me a respeitar
sempre quem tem opiniões diferentes das minhas.
O que falta a Portugal para
conseguir chegar a uma grande competição sénior?
Que estas gerações que servem
de base à actual selecção A (19,21 e 23 anos) joguem andebol mais 4/5 anos. Se
o fizerem, teremos jogadoras de grande qualidade a chegarem à idade de
maturidade do seu andebol. Infelizmente, a grande maioria das jogadoras
abandona a modalidade antes dos 25 anos. Esse deve ser o nosso grande desafio,
evitar que isso mais uma vez aconteça.
Porque é que a seleção A
masculina consegue lutar pelos apuramentos e a seleção A feminina não?
Há dois fatores importantes
para que isso aconteça. O primeiro e mais importante é o facto dos jogadores da
seleção masculina serem profissionais e isso é a garantia de poderem treinar
7/8 vezes por semana, o facto dos 3 grandes clubes de futebol é uma enorme
vantagem que o andebol tem sobre as outras modalidades, mas isso apenas
acontece no masculino. No feminino, o profissionalismo não existe em Portugal e
as condições de trabalho para as jogadoras são muito desiguais face às suas
congéneres europeias. Por outro lado, a questão antropométrica continua a ser
um grande obstáculo. No masculino conseguimos atenuar essa diferença e os
nossos jogadores já não são muito diferentes em altura e peso dos jogadores
estrangeiros. No feminino, a diferença continua a ser enorme. E esse é um
aspecto que temos que continuar a preocupar-nos na captação de jogadoras e no
trabalho de força.
O Ulisses já afirmou
publicamente que era importante que mais jogadoras saiam para o estrangeiro. Não
acha que isso ainda iria enfraquecer o já debilitado campeonato português?
Sim mas treinam 7/8 vezes e
têm condições que, infelizmente, cá não podem ter. O campeonato pode ficar um
pouco mais debilitado, mas o “sonho” de ser atleta profissional, de conseguirem
afirmar-se no estrangeiro também irá motivar quem fica cá a jogar. Sem
treinarmos tanto ou mais como no estrangeiro será difícil conseguirmos chegar a
esse patamar.
Filme preferido: As pontes de
Maddison County
Músico preferido: Tiago
Bettencourt
Série preferida: House of
Cards
Desportista preferido: Roger
Federer.
Muito obrigado por esta
entrevista e pela disponibilidade demonstrada e desejamos as melhores das
sortes para a seleção portuguesa e que os nossos prognósticos não se
concretizem neste grupo de apuramento de um nível de dificuldade extremo.
A Helena Soares é do Gaia certo? E a Sara Gonçalves é de que clube?
ResponderEliminarA sara gonçalves é do Madeira Sad.
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