Ana Carvalho: "Todos estivemos no mesmo barco a remar da mesma forma"






Ana, muito obrigado por ter aceite esta entrevista. Temos sido bastante pessimista em relação às perspectivas do Santa Joana esta época, o que nos tem valido alguns “haters” nas redes sociais. Acha que temos sido excessivamente pessimistas? O que podemos esperar deste Santa Joana?

Aproveito para agradecer a entrevista. Relativamente à pergunta colocada, é verdade que não mantivemos as jogadoras do ano passado e que a equipa é muito jovem e bastante inexperiente. Naturalmente os prognósticos são realistas, mas são acompanhados de justificações que não são verdadeiras. O porquê de as seniores terem chegado a este ponto é que cria alguma revolta nas pessoas que viveram o desgastante ano passado. Foi igualmente desgastante para as atletas como foi para o treinador, e todos estivemos no mesmo barco a remar da mesma forma. O treinador é sempre o culpado, habituamo-nos a isso, mas na realidade, e nesta realidade, não é. Quanto ao que se pode esperar desta equipa posso afirmar que trabalharemos muito para melhorarmos a cada treino e a cada jogo. Não será fácil, mas nunca podemos desistir à primeira adversidade. E sabemos que será realmente difícil. Mas este vai ser o ano de maior crescimento de algumas atletas do nosso plantel e têm de saber aproveitar cada momento.

A Ana é a jogadora que mais se destaca nesta equipa. Nos anos anteriores era uma das referências da equipa, mas tinha mais jogadoras com experiência e qualidade ao seu nível. Como é ter agora que assumir as despesas do jogo ainda mais do que no passado?

Neste momento, antes de assumir as despesas de jogo, tento fazê-las perceber que conseguem ser melhores. Naturalmente isso não se vê tanto nos jogos. Não gosto de perder. Durante a semana de treinos estou sempre a tentar ajudar as mais novas em alguns pormenores técnicos e táticos em que podem melhorar.

Decerto leu a nossa análise sobre a Ana, a estrela do Santa Joana. Quais os aspectos em que discorda da nossa análise?

Penso que atualmente todo o mundo andebolístico (no feminino, claro) deve ler este blog, e eu não sou exceção. Devo dizer que fiquei agradavelmente surpreendida com a análise.

Qual a melhor jogadora portuguesa actualmente? 

Por ser a mais completa, combinando a parte técnica com a capacidade de leitura e organização de jogo, Mariana Lopes.

Qual a Guarda-redes nacional mais difícil de marcar golos? 

Esta é para mim a pergunta mais difícil de responder. Eu gosto bastante do duelo com as guarda-redes, e penso nisso durante a semana de treinos. Tenho de referir que é para mim difícil e desafiante marcar golos à Andreia Costa, não só pela sua qualidade, mas pela relação de amizade que temos, que torna esse duelo ainda mais interessante.

A Ana é uma treinadora que tem feito um excelente trabalho na formação. O que acha que falta ao andebol feminino em Portugal para conseguir dar o grande salto?

Agradeço o elogio. Neste momento tenho a certeza que faltam apoios. Apoios financeiros, claro, mas esses todos sabemos que para cultura e desporto, ainda por cima no feminino são quase inexistentes. Mas em vez de querermos coisas grandes, vamos dando passinhos pequeninos. Primeiro falta compreensão da parte das famílias e da escola que a carreira de desportista é compatível com a carreira escolar. Mais, não é só compatível como é completamente benéfica. A atleta no geral é muito organizada e consegue ter excelentes resultados mesmo com estágios e treinos e jogos sábado e domingo. Esse é o primeiro apoio que é preciso. Depois é preciso apoiar os treinadores, os bons treinadores, de forma a que eles não fujam para o masculino, porque há mais oportunidades, e depois de irem para o masculino e perceberem que também não estão para se chatear, deixam de ser treinadores. Para apoiar os treinadores é necessário que os clubes percebam a sua importância, que existam mais patrocínios para que a remuneração dos treinadores seja compatível com aquilo que realmente trabalham e que lhes sejam dadas melhores condições de trabalho. Por fim, e para não me alongar mais, nós nem somos grandes nem pequenas nem magras nem gordas; nós somos como nós quisermos ser. Atualmente temos atletas de grande qualidade técnica, com imensa vontade de crescer, felizmente há já atletas a ir para o estrangeiro, e sei que nestas novas gerações mais irão desde que haja oportunidade para tal, e é isso que tem de acontecer: sair deste cantinho, ir para grandes campeonatos, absorver conhecimentos, ter melhores condições de treino e rapidamente iremos compreender que afinal nós temos qualidade, desde que consigamos treinar mais e melhor, como qualquer outra atleta dos grandes campeonatos.

Se a Ana tivesse poder para mudar algo no andebol português, que medidas decidiria tomar?

Sei que a pergunta é direcionada para algo concreto, mas quero referir que antes de mais mudaria a mentalidade (algo utópico que sei que não acontece com um estalar de dedos). Acharmos sempre que não iremos chegar a lado nenhum ou que não temos atletas ou treinadores está completamente errado. Temos bons treinadores e muito boas atletas. Mas temos de mudar a mentalidade de todos, tal como referi na pergunta anterior. Concretamente, talvez fizesse com que houvesse novamente Encontro Nacional de Iniciadas. A competição é extremamente importante, eu sou completamente a favor da mesma, e se acho que Portugal pode evoluir a nível internacional, as nossas atletas devem começar a ter noção do que é a competição bem cedo. Mas o desporto não é só a parte competitiva e se queremos ter mais e mais atletas para termos melhores atletas também, temos de criar mais situações motivadoras para as mesmas. No feminino são inúmeras as atletas que iniciam a prática desportiva nesta idade, e que nunca terão hipótese de participar num Encontro Nacional. Terão os torneios claro, mas não é igual. Parece uma medida muito pequena e muito pouco interessante, mas se pensarmos na dificuldade de muitos clubes manterem as suas atletas, porque têm poucos jogos e os que têm são muito desequilibrados, e que alguns não têm tanta capacidade de se deslocarem a tantos torneios, com o encontro nacional haveria mais essa hipótese, de levar as crianças a um torneio, para conhecerem mais da modalidade. Criava mais motivação para aquelas crianças continuarem no ano seguinte. Se apenas tivermos 4 equipas a chegarem longe, a terem o privilégio de chegar à fase final, vai sempre haver um êxodo para essas equipas que têm maior probabilidade de chegar mais longe. E aqui teremos dois problemas gravíssimos: primeiro, os clubes que poderiam crescer não o fazem porque as suas melhores atletas saíram, as outras não têm motivação para continuar, menos atletas a competir; segundo, nos clubes onde estas atletas com alguma qualidade se juntam ficam com excesso de atletas, como apenas jogam 7, mesmo que haja uma excelente gestão de plantel, vai sempre haver atletas de qualidade a terem menos tempo de jogo, condicionando a sua evolução, perdendo Portugal mais uma atleta de qualidade porque o modelo competitivo está a criar superequipas que vão acabar por competir sozinhas.

Se pudesse contratar uma jogadora para o Santa Joana (esquecendo a questão financeira), quem seria?

Terei de responder duas: Nikki Groot, sem dúvida a minha atleta de eleição; basta ser central e ser o cérebro e a técnica cobertos com uma classe incrível. Ela é realmente fenomenal. Acho que não me importaria de ser sua suplente! Nora Mork: 1,69 de potência e qualidade; trá-la-ia só para mostrar que a altura é apenas um número para quem realmente quer trabalhar e para quem tem a oportunidade de trabalhar.

Série favorita: How I met your mother

Filme favorito: Guardiões da Galáxia (mas só pelo baby Groot, melhor personagem de sempre) 

Cantor favorito: Adriana Calcanhoto

Desportos favoritos: difícil, sou amante de desporto, ponto! Mas gosto bastante de ir ao Dragão ver o meu Porto jogar.

Prato favorito: outra difícil, porque sou sem dúvida um bom garfo; Francesinha da minha mãe; ou do Torres em Ermesinde

 Bebida favorita: cerveja

O que é que a mais a choca em alguns treinadores de formação?

Como referi anteriormente eu gosto muito de ganhar, gosto muito de jogos competitivos e sei que as atletas vão crescer com mais jogos competitivos. Mas quando estamos em escalões de formação, temos de compreender em que fase estamos, e que todas as atletas são antes miúdas e crianças, com aspirações e com sonhos. Às vezes esses sonhos não passam por jogar, passam exatamente por não jogar, mas gostam de treinar e de ajudar a amigas no treino. Então quem sou eu para retirar essa felicidade à criança? Eu tenho de ser alguém que compreende as miúdas e que as faz sentirem-se melhores e mais úteis. E fazê-las entender que não são todas iguais e que têm velocidades de crescimento diferentes, faz com elas sintam menor pressão de serem como a colega do lado. Por vezes apercebo-me que as atletas não são felizes, logo algo está errado. E a maior parte das vezes em que isso acontece é o treinador que não se apercebeu realmente como lidar com aquela atleta. Felizmente no feminino cada vez são mais treinadores com sensibilidade para perceber que todos os atletas são diferentes (rapazes ou raparigas) e que não têm de ser tratados todos iguais, mas sim serem tratados com equidade.

Por último, tem algum treinador que a tenha treinado e que tenha sido uma referência para si?


Para além da resposta politicamente correta de dizer que todos os meus treinadores me marcaram, a realidade é que isso aconteceu de fato, na construção da minha versão de treinadora. Mas nem todos positivamente. Retirei de alguns o que achava correto e de outros percebi que há coisas que não fazem parte dos meus valores enquanto agente desportivo. Felizmente tive mais bons treinadores que maus. Para referir algum que me tenha influenciado enquanto atleta e muito enquanto treinadora, o Professor Serafim, com quem fui campeã da segunda divisão no Santa Joana, com três anos de imenso crescimento da equipa. Com ele aprendi imenso o que deve ser um treinador, ele passou para mim (e para outros treinadores dessa altura) a experiência de quem anda cá no andebol enquanto treinador há tanto tempo quanto eu tenho de idade. Portanto, numa altura em que me assumi como treinadora e percebi que iria fazer isso enquanto me deixarem, ele foi muito importante nesse início.

Comentários

  1. Tremenda maldade, para as próprias, entregar a responsabilidade de uma equipa da primeira divisão, a um pequeno grupo de seniores de primeiro ano, a atletas quase no inativo, e aquelas que por uma ou outra razão ficaram do ano passado, todas a lutar por um clube que não as merece.

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